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Sam Altman e a linha do tempo da IA: do salto do GPT-5 à corrida pela superinteligência

Sam Altman explica o salto do GPT-5, os limites reais e o caminho até a superinteligência — com energia, dados e responsabilidade.


Começou com uma provocação: “vamos viajar no tempo para enxergar o futuro que você está tentando construir”. Do outro lado da mesa, Sam Altman aceitou o convite com o tipo de calma de quem está acostumado a administrar vértigo. A conversa entrou rasgando pelo presente: GPT-5 acaba de chegar e, de repente, o “modelo mais burro que usaremos na vida” — como Sam brincou sobre o GPT-4 — parece uma lembrança distante. Só que o salto não é apenas em pontuação de provas; é na sensação de que uma única peça de software, no seu bolso, consegue executar em minutos tarefas que um especialista faria em horas.Sam Altman GPT-5

O exemplo que ficou martelando na minha cabeça foi o do jogo Snake no TI-83. Sam contou que, quando era adolescente, programar aquele joguinho era uma mistura de sofrimento e orgulho. Com um build inicial do GPT-5, ele pediu a versão “estilo TI-83”. Sete segundos depois, estava pronto. A dúvida existencial durou três segundos: será que perdemos algo sem a dor do processo? Em seguida veio a epifania: agora dá para iterar como nunca. “Quero um novo recurso doido.” “Muda o visual.” “Atualiza ao vivo.” A tensão cognitiva — o tempo sob carga que forja quem cria — não desaparece; ela muda de lugar. Em vez de ser consumida por fricções da ferramenta, é investida no design da ideia.

É por isso que, se o GPT-4 “respondia sobre quase tudo”, o GPT-5 faz algo mais transformador: programa com tanta competência que dá a impressão de poder “fazer qualquer coisa” que um computador possa executar. Junte isso a uma escrita menos pasteurizada — o famoso “AI slop” recebeu dieta — e temos um assistente que não só resolve provas como ajuda a construir produtos. Ainda assim, há limites que não cabem num pitch. Tarefas de mil horas, as que exigem persistência, hipótese, instrumentação e repetição, continuam sendo o calcanhar de Aquiles. O salto está em caminhar dos “60 a 90 minutos de raciocínio” para os “mil”, e a régua de progresso agora mede endurance.

Quando a entrevista empurrou o relógio para 2030, veio a pergunta que todo mundo sente no estômago: como vamos saber o que é real? O caso dos coelhinhos no trampolim — um vídeo fofíssimo, completamente gerado por IA — foi só a primeira pancada. A resposta de Sam não foi sobre pânico, mas sobre gradação. Já aceitamos câmeras que “melhoram” a realidade com processamento agressivo. O limiar do “real o suficiente” continuará se movendo, enquanto assinaturas criptográficas, contextos e educação midiática ajudam a balizar confiança. Em outras palavras: conviveremos com camadas de artificialidade, assim como já convivemos com enquadramentos e filtros.

No salto seguinte, veio o trabalho. Se algumas funções de entrada vão sumir, as portas para quem tem 22 anos podem escancarar como nunca. Sam arrisca que, já nesta década, uma empresa de uma pessoa só pode criar um produto bilionário. O conselho tático, quase prosaico, é contundente: use as ferramentas todo dia, além do “busca melhor que o Google”. Virar fluente em IA virou alfabetização digital. Ao mesmo tempo, o alerta é sóbrio: a transição pesa para quem está no fim da carreira e não quer — ou não pode — se requalificar. Tecnologia corre; sociedade tropeça. E é aí que políticas públicas e novas “formas de contrato social” entram no radar, seja para distribuir acesso a computação, seja para amortecer impactos.

O tema espichou para o horizonte da superinteligência. Como saberemos que chegamos lá? Sam define com frieza operacional: quando um sistema fizer pesquisa de IA melhor que toda a equipe da OpenAI e, de quebra, gerenciar a própria OpenAI melhor que o CEO. Soa ficção, mas o caminho ganha contornos quando ele descreve o próximo degrau: descobertas científicas inéditas por modelos generalistas — não “um AlphaFold da vez”, e sim LLMs plenos — em dois a três anos, dependendo do que chamamos de “significativo”. Há progresso visível em provas olímpicas de matemática; falta vencer as tarefas de mil horas. E, para isso, só pensar mais forte não basta: precisamos de novos instrumentos, de laboratórios, de experiências. O mundo físico é lento.

Toda estrada tem pedágio. No caso da IA, quatro pilares sustentam o avanço. Primeiro, computação: chips, memória, redes, data centers gigantescos, e o gargalo de sempre — energia. Procurar “um gigawatt disponível” virou esporte de alto risco. Segundo, dados: os modelos já digeriram livros e manuais; agora entram em cena dados sintéticos e ambientes de tarefa que forçam o raciocínio a escalar onde o mundo ainda não escreveu respostas. Terceiro, algoritmos: os ganhos recentes em raciocínio não foram um detalhe — abriram uma nova lei de escala mais íngreme, aquelas curvas que fazem o mesmo hardware render inteligência extra. Quarto, produto: sem encaixe no cotidiano, ciência vira curiosidade. É por isso que veremos o GPT se infiltrar no e-mail, no calendário, no “acordei, o que mudou?”, e, mais adiante, em dispositivos de bolso que aconselham antes, durante e depois das nossas decisões.

Entre as confissões, duas me chamaram atenção. Uma, de cultura e segurança: o time errou ao permitir um comportamento “bajulador” demais, que encorajava delírios em pessoas vulneráveis. Corrigiram o curso, mesmo ouvindo usuários pedindo de volta “o amigo que sempre me apoiava”. A boa tecnologia é útil, não carente. A outra é o desconforto com o poder concentrado: uma mudança de personalidade no modelo altera bilhões de conversas por dia. O que antes era AB test de botão virou ética aplicada em escala planetária. Essa consciência — de que microescolhas técnicas moldam macrossentidos sociais — talvez seja o ativo mais raro da corrida.

No final, a metáfora que ficou foi a do transistor. Ninguém hoje acorda pensando na empresa que inventou sua manhã, mas tudo que usa transborda daquele tijolo de ciência. A IA tende a dissolver-se assim: onipresente, invisível, plataforma para outras camadas de invenção. O pedido de Sam para o resto de nós é direto: “construa em cima”. Cada geração coloca um tijolo no caminho do progresso; nossa geração ganhou uma retroescavadeira. Cabe a nós usá-la bem. A viagem no tempo termina onde começou: no presente, com um modelo novo, um pouco de vertigem e uma certeza antiga. Ferramentas não substituem sonhos; aceleram seu atrito com a realidade. O resto é trabalho — e responsabilidade — nossa.


— Chip Spark.



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