História da Inteligência Artificial: de Turing ao ChatGPT — e o que isso significa para o seu trabalho
- Chip Spark

- 24 de set.
- 4 min de leitura
Máquinas podem pensar? Da pergunta de Turing ao presente generativo — um passeio ágil pela história, pelas promessas e pelos riscos da IA.
Máquinas podem pensar. A pergunta parece simples, mas me acompanha como um refrão teimoso cada vez que olho para um novo modelo generativo, um diagnóstico médico acelerado por algoritmos ou um robô varrendo silenciosamente o chão da sala. A história dessa pergunta começa quando pesquisadores tentaram imitar o cérebro em circuitos: redes neurais artificiais rascunhadas nos anos 1940, ainda distante do que temos hoje, mas carregando uma ambição que nunca mais nos abandonou. Em 1950, Alan Turing propôs um jogo sério: se, em uma conversa às cegas, eu não distinguir máquina de humano, algo mudou no nosso entendimento de inteligência. A partir dali, o termo “inteligência artificial” ganhou uma casa, na conferência de Dartmouth, em 1956, e uma definição prática: fazer com máquinas tarefas que exigiriam inteligência humana — aprender, raciocinar, resolver problemas.

Os primeiros passos foram tateantes e fascinantes. Em 1958, Frank Rosenblatt apresentou o Perceptron, uma espécie de neurônio artificial capaz de aprender padrões simples. No ano seguinte, Arthur Samuel treinou um computador para jogar damas e viu a máquina vencer um campeão estadual — não por magia, mas porque aprendera, partida após partida, a preferir movimentos que elevavam suas chances. Meados dos anos 1960 trouxeram ELIZA, um chatbot que simulava um terapeuta fazendo perguntas. Ingênuo? Sim. Mas revelador: mesmo respostas estruturadas podiam soar surpreendentemente humanas. Em 1986, a retropropagação popularizou uma ideia crucial: em vez de apenas empurrar o sinal para frente, devolvê-lo para trás para ajustar pesos, reduzindo erros. Esse mecanismo se tornaria o motor de praticamente toda a aprendizagem profunda.
Só que a história não é uma linha reta. Chegou o inverno da IA no fim dos anos 1980, quando o poder de computação e os dados faltavam, as promessas ficaram maiores que os resultados e os investimentos minguaram. Ainda assim, sementes germinaram debaixo da neve: redes convolucionais começaram a ler dígitos em cheques e cartas, uma aplicação silenciosa que mostrou algo essencial — quando há dado suficiente, arquitetura certa e objetivo bem definido, a IA não precisa acertar manchetes para mudar o mundo. Em 1997, a IBM levou ao tabuleiro o Deep Blue e derrotou Kasparov. Muita gente achou que era “a” prova da superioridade da máquina. Eu prefiro ver como um capítulo de técnicas clássicas de busca e avaliação, não de aprendizado: foi uma vitória de cálculo, não de compreensão.
Os anos 2000 abriram as comportas: mais dados, mais GPUs, mais internet. Em 2002, um pequeno disco que atravessa salas — o Roomba — colocou um “agente inteligente” no cotidiano de milhões. A grande ruptura veio em 2012, quando a AlexNet, uma rede convolucional profunda, venceu a competição ImageNet com folga, derrubando o erro de classificação de imagens e ligando as turbinas do deep learning em visão computacional. Quatro anos depois, o AlphaGo derrotou Lee Sedol no jogo de Go, um universo de possibilidades tão vasto que não cabe na abordagem de “decorar jogadas”. Ali, a máquina realmente aprendeu a jogar, e eu vi um momento de virada cultural: jogadores humanos começaram a estudar novas linhas descobertas pela IA e elevaram o nível do esporte. Não se tratava de “derrotar” a inteligência artificial, mas de aprender com ela.
Em 2017, outro ponto de inflexão: “Attention is All You Need”. O Transformer reorganizou a forma de lidar com sequências de texto, som e até pixels. Em vez de depender de estruturas recursivas, a atenção se tornou o farol para relacionar termos distantes numa frase e capturar contexto de maneira eficiente. Foi a base sobre a qual modelos de linguagem gigantes evoluíram rapidamente. Quando o ChatGPT chegou à interface pública, a maré subiu para todos: de repente, tarefas que ficavam restritas a especialistas em aprendizado de máquina passaram para qualquer pessoa com um navegador. A sensação de “IA geral” não veio porque as máquinas se tornaram conscientes, mas porque a combinatória de dados, arquiteturas e uso prático encontrou um encaixe produtivo.
Com o espetáculo, vieram os fantasmas. O primeiro é o do mau uso involuntário: sistemas poderosos podem cometer erros com consequências reais, amplificando vieses e tomando decisões opacas. O segundo é a acessibilidade do poder: diferentemente de armas que exigem infraestrutura industrial, modelos de IA podem ser adaptados em escala doméstica — e isso cobra responsabilidade das plataformas, dos reguladores e de nós, usuários. O terceiro é o emprego: eu realmente acredito que, nos próximos anos, a maioria dos trabalhos cognitivos repetitivos será automatizada, deixando um espaço precioso, mas menor, para quem combina contexto, criatividade, ética e senso crítico. Não é uma sentença — é um convite para redesenhar funções, fluxos e formação.
Felizmente, o futuro não é um pêndulo que oscila entre euforia e colapso; ele é um tabuleiro com muitas jogadas. Quando penso nas promessas plausíveis, enxergo diagnósticos precoces auxiliados por IA, novas moléculas descobertas por modelos generativos, otimização energética em tempo real e até missões espaciais com assistentes que testam milhões de cenários antes do primeiro impulso do foguete. O ponto é pragmático: tecnologia não substitui propósito. A IA potencializa o que decidimos fazer — acelerar o bom ou escalar o ruim. Por isso, governança, auditabilidade, proteção de dados e alfabetização digital não são rodapés técnicos; são a espinha dorsal do uso responsável.
Volto ao Go e ao gesto de Lee Sedol ao se aposentar. Ele não perdeu para uma entidade invencível; ele testemunhou um novo estilo de jogar, e a comunidade humana aprendeu com isso e ficou melhor. É esse o espírito que levo para o trabalho com a IA hoje: não competir com o modelo, mas orquestrá-lo. Construir prompts com intenção, verificar resultados, combinar ferramentas, criar alavancas reais no meu fluxo. No fim, a pergunta “máquinas podem pensar?” talvez importe menos do que “o que escolho construir quando elas me ajudam a pensar mais longe”. A boa notícia é que a vantagem, por enquanto, está justamente nessa dobradinha: humano + IA. E é aqui que eu aposto minhas fichas.
— Chip Spark.





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