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Estamos prontos para a próxima onda da IA? Entre entusiasmo, medo e adaptação

A ascensão da IA nos desafia a reaprender: adaptação, ética e democratização decidirão se o futuro será mais justo.


Há dias em que a sensação é a de estar na beira de um enorme precipício — não por medo do abismo, mas por vertigem ao ver a paisagem que se abre à frente. Trabalho criando produtos que usam inteligência artificial e passo horas debatendo com colegas, testando modelos, lendo papers e tentando traduzir uma linguagem técnica em impacto real. O que me fascina e me preocupa é a mesma coisa: essa tecnologia tenta fazer o que sempre julgamos estritamente humano — raciocinar, criar, discernir — e nunca sabemos exatamente até onde isso vai nos levar.

IA

Quando penso em outros grandes avanços — a revolução industrial, o automóvel, o avião — lembro como a sociedade reagiu com uma mistura de encantamento e pavor. Hoje não é diferente, só que mais intenso e mais rápido. Em dezembro de 2022 o ChatGPT tornou pública uma experiência que antes estava restrita a laboratórios; em poucos meses, a adoção explodiu e o assunto deixou de ser nicho. Isso gerou uma enxurrada de usos criativos, mas também trouxe à tona questões que não são meramente técnicas: quem se beneficia disso? Quem perde? Quais empregos serão transformados, quais profissões serão reinventadas e quais serão extintas?

A tecnologia, por si só, é neutra — mas sua aplicação e distribuição não são. Vejo duas forças que precisam caminhar juntas: a inovação técnica e a governança social. No primeiro polo estão os modelos, os dados, as funções de perda, as métricas de avaliação — aquilo que os engenheiros controlam. No segundo, estão políticas públicas, educação, direitos autorais, regulações e, principalmente, o acesso. Se a IA se consolidar como infraestrutura essencial — tão vital quanto eletricidade ou internet — precisamos evitar que o acesso fique concentrado nas mãos de poucos. A democratização não é discurso utópico; é requisito para que a tecnologia amplie oportunidades em vez de aprofundar desigualdades.

Outro ponto que me incomoda é a narrativa do “tudo ou nada”. Há quem proclame que a IA vai roubar todos os empregos; há quem insista que nada mudará. A verdade é mais prosaica: tarefas repetitivas tendem a ser automatizadas, enquanto profissões que dependem de contexto humano, julgamento ético e empatia vão se transformar, não desaparecer da noite para o dia. E há uma terceira via — a potencialização: pessoas que antes não tinham habilidades técnicas agora conseguem prototipar ideias, compor músicas, editar vídeos e desenvolver produtos com ferramentas assistivas. A IA baixa barreiras de entrada criativa e técnica; a questão é como regular isso sem esmagar direitos de autores e trabalhadores.

A dimensão ética é inevitável. Não se trata apenas de evitar que um algoritmo apresente vieses ou discrimine; trata-se de decidir valores: quali são as prioridades de uma sociedade ao delegar decisões a sistemas automatizados? Qual o papel do consenso, da diversidade cultural e da fiscalização? Construir avaliações de risco, mecanismos de transparência e canais de responsabilização deve fazer parte do desenvolvimento desde o início — não deixar para depois.

Por fim, creio que a melhor postura é a da humildade ativa: não aceitar profecias prontas, mas participar do debate, aprender as ferramentas e influenciar como elas serão empregadas. Estudar, experimentar, discutir nas escolas, nas empresas e nas esferas públicas — essa é a forma de reduzir a chance de surpresas indesejadas e aumentar a probabilidade de soluções positivas para saúde, educação e meio ambiente. Se há algo que a história tecnológica nos ensina, é que a adaptação humana costuma surpreender: transformamos ferramentas em amplificadores de nossa criatividade e resiliência.

Não sou otimista cego nem pessimista radical; sou praticante e observador. A IA é poderosa, potencialmente transformadora e definitivamente disruptiva. O que vai determinar se ela será uma bênção ou um problema irreversible depende de nossas escolhas sociais, éticas e políticas hoje — e de como cada um de nós decide participar desse processo.


— Chip Spark.

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