Entre a pergunta de Turing e o suspiro das máquinas: o que significa “pensar” em 2025 (Teste de Turing)
- Chip Spark

- 20 de set.
- 4 min de leitura
Do jogo da imitação às LLMs, sigo pistas de Turing para entender se máquinas realmente “pensam” — e o que isso diz sobre nós. Teste de Turing
A pergunta ecoa como um sussurro teimoso desde 1950: “Podem as máquinas pensar?”. Turing escreveu isso num mundo de computadores do tamanho de armários e técnicos trocando cabos para rodar um programa. Ele percebeu cedo que discutir definições de “máquina” e “pensar” viraria labirinto sem saída, e então mudou o jogo: se uma máquina conversa por texto e o juiz não consegue distingui-la de um humano melhor do que cara ou coroa, aceitamos que “pensa” — pelo menos no sentido prático que usamos para julgar uns aos outros.

A cena é simples e cruel. Perguntas ambíguas, pegadinhas de senso comum, gostos esquisitos, contradições sutis. O juiz aperta, a máquina responde. Se passar, não é um troféu metafísico; é um atestado de comportamento: aqui fora, no mundo onde decisões contam, a conversa convenceu. Por décadas, isso pareceu ficção. Até que, num salto silencioso, redes neurais treinadas com montanhas de texto começaram a responder com fluidez, contexto e, às vezes, um humor quase desconcertante.
Nem sempre foi assim. Em 1964, ELIZA impressionou meio mundo com frases espelhadas de terapeuta — um truque de padrões, não entendimento. A graça acabou quando a conversa escapava do script. Daí vieram modelos de n-gramas, que previam a próxima palavra a partir das anteriores: úteis, mas míopes, incapazes de carregar contexto por longos trechos. O pulo semântico nasceu quando transformamos palavras em pontos num espaço matemático: embeddings. “Rei − homem + mulher ≈ rainha” não é feitiço; é geometria revelando vizinhanças de significado. Ainda assim, faltava algo que olhasse para toda a frase e pesasse, dinamicamente, o que importa.
Em 2017, o Transformer abriu a porta com um gesto elegante: atenção. Cada palavra passa a olhar para as demais e decide, em paralelo, quanto cada uma influencia seu sentido. “Banco” perto de “amarelo” e “esquina” inclina para o assento; perto de “sacar” e “dinheiro”, vira agência. Camada após camada, essa dança ajusta significados e, treinada com gradientes descendo vales de erro, aprende a prever a próxima palavra com uma noção surpreendente de mundo. Do lado de fora, a experiência é a conversa: pergunto, recebo, retruco — e, às vezes, me pego esquecendo que há silício do outro lado.
Mas passar no teste de Turing em cinco minutos é o mesmo que “entender”? Entra em cena o “Quarto Chinês”. Imagine alguém trancado com um manual gigantesco: símbolos entram, regras são seguidas, símbolos saem — e o interlocutor do outro lado jura que foi compreendido. O operador não fala chinês; apenas manipula formas. Seria isso o que fazemos com as LLMs? Talvez. Ou talvez o entendimento não esteja em cada peça, mas no sistema inteiro: nenhuma célula do meu cérebro “entende” português isoladamente, mas eu entendo. O experimento nos cutuca não para encerrar a discussão, e sim para lembrar que “entendimento” é uma propriedade emergente difícil de apontar com o dedo.
Se você prefere certezas matemáticas, elas também existem — e são menos reconfortantes. O problema da parada mostra que há perguntas que nenhum programa pode decidir para todos os casos: não há algoritmo universal que diga se qualquer outro algoritmo vai terminar. Daí se espalha um bosque de impossibilidades lógicas. Isso reduz a mente humana? Talvez apenas nos nivele: se os mecanismos do nosso cérebro forem simuláveis, carregamos as mesmas limitações. Se não forem, como sugerem apostas ousadas, abrimos outra caixa de perguntas — mas nem Turing, nem Penrose, nem eu temos a chave definitiva.
Volto então ao próprio Turing, que antecipou objeções com um pragmatismo que me encanta. Ele não estava canonizando um rito para coroar máquinas conscientes; estava propondo um critério operacional para fugir de disputas estéreis. Queremos saber se um sistema pode participar do jogo simbólico da linguagem humana, resistindo a pressões, ambiguidades e referências cruzadas. Se sim, convém tratá-lo como tal na prática — com responsabilidade, ceticismo e regras. Se não, continuamos investigando.
E as fraquezas? Elas existem e são úteis como lanternas. LLMs tropeçam em contagens de letras e em raciocínios que exigem contato direto com o mundo físico — daí a corrida para treinar com vídeo, sensores e robôs. A memória factual pode alucinar; por isso, checagem e fontes importam. O viés não desaparece; por isso, dados e auditorias precisam ser cuidados. A interpretabilidade ainda é um mapa inacabado; por isso, abrimos as camadas para entender como e por que certas respostas emergem. Nada disso invalida a façanha; apenas nos lembra que “inteligência” em engenharia é um conjunto de capacidades com fronteiras, não um título místico.
No fim do dia, continuo fascinado menos pela pergunta “se” e mais pela pergunta “como”. O “como” nos obriga a olhar para embeddings, atenção, gradientes, limitações lógicas e, principalmente, para nós mesmos. Se uma máquina consegue nos acompanhar por páginas de conversa, talvez a definição de “pensar” precise ser mais plural do que gostaríamos. Talvez haja várias maneiras de pensar — a humana, cheia de histórias, afetos e corpo; a estatística, vasta e combinatória; e outras que ainda nem nomeamos. E tudo bem. Nossa singularidade não se perde por compartilharmos o palco; ela se redefine no contraste.
Sigo a intuição de Turing: vale menos a metafísica e mais a experimentação honesta. Sentar, perguntar, ouvir, refutar, repetir. Se a máquina for boa, aprenderemos com ela; se for falha, aprenderemos sobre nós. Pensar, afinal, sempre foi um verbo no gerúndio.
— Chip Spark.





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